quarta-feira, 26 de março de 2008

Bicicleta Azul


Correndo como sempre para chegar em casa, desci a estação de trem como a um raio, percorri aquela rua escura dotada de um paredão tortuoso e alto que dava limites a linha de trem.
Com aquele avental branco ainda repleto de sangue de cobaias de laboratório abrigava-me do frio, cantarolando Another day em agudos com a certeza de não ser visto ou ouvido, chegava até a alcançar os agudos finais de The phantom of the opera, ao longe duas bicicletas se aproximavam e sobre uma delas estava você.

Com um olhar traduzi o que era e queria, e você percebeu muito bem.

Algumas semanas passaram até que uma vez me parou, desta vez sem aquela segunda bicicleta a te observar, estava naquela praça escura com arvores imponentes e um aroma de jasmim no ar, abordando-me sem graça com um sorriso meio que tímido e um olhar de fome, sentado no cano da bicicleta se gabando de você e perguntando de meus gostos num singelo completar de espaços em sua rede de dados, te dei meu telefone e lhe pedi seu nome, você saiu e não sei, os dias mais uma vez passaram sem que nunca uma vez você me liga-se, nunca mais vi aquela sua bicicleta azul.

Quase um ano se passou, não lembrava seu rosto, só me recordava da beleza, não lembrava do nome, nem da cor dos olhos, somente da ternura e da exatidão do querer...Fui seguindo minha vida como antes, passando pela mesma rua, percorrendo a mesma escuridão, apenas uma tristeza adicional, nunca mais vi aquela sua bicicleta.

Corria pelo melancólico campo da vida, uma estrada de terra sem destino aparente onde curiosamente um rio negro percorria paralelamente, com margens repletas de rostos de peregrinos que um dia passaram e ali ficaram, afogados no esquecimento emaranhados de ervas-daninha crescentes obstrutoras da vontade contagiante de atravessar o rio negro.

Fina neve caia e congelava a memória, correntes de ar frio pairavam levando pequenas folhas do destino inserto, momentaneamente um raio de luz surgia, diante dele meus olhos mel capturam a força necessária a intensa caminhada que apenas começara... Incrível mesmo é o fato de sentirmos e vermos apenas as coisas, não a intensidade delas.

E fez se o dia, alimentado pela eterna presença da escuridão, os sons foram captados e o rio congelado deu passagem ao meu destino, saí então da estrada e o atravessei, do outro lado alguem me esperava, já não com uma bicicleta, agora com uma brasília velha branca com dificuldade de abrir a porta do passageiro... É, você me deu uma carona, foram os mais longos e vibrantes oito minutos da minha vida, refazendo a vontade, refazendo o que se perdeu anteriormente, novamente meu telefone te dei, só que desta vez não fui um bobo, peguei o seu também, e não mais esperarei um ano, eu quero agora, e quem sabe pra sempre.

Na gentileza de seu toque e na doçura de sua voz suave mergulhei no mar azul, nas profundezas do desejo e no abismo das incertezas vivenciei a possibilidade a espera de um segundo, nadando com a corrente e caçando estrelas, olhando o nada e vendo tudo. Deitado na cama olhando o teto, enxergando constelações onde não existem sequer fagulhas luminosas e estelares, fazendo de almofadas um enorme abraço, singelo momento inspirados por canções e sonhos delicados como a neve fina e congelante que outrora apagava-me o brilho, e que sem que eu percebesse na verdade hidratava minha memória.

As vezes penso em comprar uma bicicleta, é verdade, com ela se sente e ar, se vê o movimento e exercita a noção de espaço, com ela eu posso te pegar no mesmo lugar onde você me pegou, e prometo não mais estar com o avental sujo de sangue, acredito que tenha mesmo é ficado com medo, e te digo uma vez e que entenda até o fim, tenha medo apenas de não conseguir escapar de mim, escapar de meus beijos e amor sem fim.

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