“Acordo as 5 da matina, reclamando da rotina”... E a semana vai passando e o nada vai ficando, se entrelaçando as entranhas e vai sufocando os sonhos com breves e até divertidos pesadelos. E na mente infantil passam ao olhar no espelho pequenos fleches, em cada um deles dementes histórias animadas onde a felicidade se faz presente até na poeira levantada pelos pés ao caminhar.
Dentro do guarda roupa habita uma imensidade de personagem a escolher, vasculhando a bagunça, encontro uma velha roupa a muito tempo esquecida, meio poida e repleta de furinhos, cheirando desagradável e com as costuras já abertas, encontro um passado, “em que o tempo era motivo de choro, desculpa pra um abraço ou um consolo”.
Frente a minha imagem refletida na poça de lágrimas delicadamente vou retirando minha armadura de titã, olho atentamente cada curva do meu maquiado rosto e recordo o tempo em que montava aquele cavalo branco que corria sem medo ou cansaço por meio ao lindo campo repleto de obstáculos, onde eu levantava aquela espada talhada com força por minhas próprias mãos, relembrando dos dragões por mim abatidos sem me dar o trabalho de perguntar quem fez deles dragões e a quem fariam tanto mal. Já não sei o que aconteceu, me parece que cai do cavalo branco e fui arrastado pela vergonha até o desfiladeiro mais próximo, de onde fui jogado e esquecido após ser levado pela correnteza poderosa do rio e abandonando na esquina da perdição ao lado do Mar do Esquecimento, vaguei sem destino ou esperança por longas e intermináveis duas semanas, encontrando abrigo em um tenebroso e gótico castelo.
Ao encontrar minha velha roupa perdida dentro do armário de tristes personagens, já cheirando mofo pelo desuso, uma pequena luz volta a brilhar em meus olhos, e as lágrimas vão lavando o tempo do esquecimento revitalizando a feição da beleza a muito escondida dentro de mim... Delicadamente coloco a roupa e uma figura quase desconhecida a minha memórias vai se formando, ajeitando os cabelos e retirando os pingos de maquiagem retirada pelas lágrimas nos cantos do meu rosto percebo que morava ali algo de nobre, não somente pelo rosto, ou pela forma que havia esquecido ter, mas pelo nobre olhar, força e verdade que via. Com maior cuidado recomeçava a arrumar as vestes, adornando seus contornos em volta do corpo surrado pelas batalhas sem fim travadas sobretudo contra mim mesmo, a figura fantasiosa de titã cedia lugar a agradável delicadeza de um príncipe.
Rapidamente uma canção se faz recordar em minha mente, pelos meus lábios foi soada, perto dali um cavalo branco poderoso cavalga com destino certo ao ouvir o canto, saltando sobre árvores mortas e vencendo o lodo negro do pântano ... Eu a correr as escadarias do castelo do medo, descia, e a cada novo degrau a veste ia se clareando, e num passe de mágica se costurando... Na exatidão do tempo que levou até que o cavalo chegasse até o salão do grande castelo onde o esperava.
A terra já não era escura e sem vida, o céu não mais nublado e sem luz, cresciam belas flores no jardim ao mesmo tempo em que borboletas e pássaros voavam, esquilos e pequenos elfos corriam, era a vida chegando.
Montei o corcel branco e percorri até o horizonte, olhando pra trás percebi que não estava perdido naquele castelo afogado pelo mar, estava mesmo era mergulhado na falta de esperança, sempre a espera da princesa que nunca chegava, extingui dragões e trols limpando a terra da maldade aparente, e não percebi que a princesa era tão fria, que mesmo antes de conhecê-la, gelou os dias e as noites sem menor esforço. Eu acordei, e o dia era lindo, a noite estrelada e a beleza do que acreditava ser belo não era necessariamente belo, a imperfeição do mundo me pareceu mais linda, assim como a feia roupa empoeirada de príncipe guardado no guarda-roupa, precisava apenas de um olhar atento.
Perdi tempo como titã, poderia ter vivido como príncipe, mesmo sem uma princesa, e a roupa esquecida nada mais era do que eu, as roupas sobre ela eram o que eu tentei ser, acho que para agradar o mundo, desagradei a mim mesmo, e para ser o príncipe da princesa, fui somente uma figura sem rosto.